terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

História e cultura afro-brasileira e indígena (I)

Valdeci Batista de Melo Oliveira, Doutora pela USP, docente do colegiado de Letras da Unioeste. Contato: val.melo@uol.com.br


Todo monumento da cultura é também um monumento da barbárie
Walter Benjamim


Nós brasileiros, no afã de construirmos uma nação conforme o olhar idílico que o imaginário eurocêntrico deitara sobre estas terras, deixamos insepultos os corpos milhões de índios e negros e derruídos que massacramos sob o peso da corvéia ou da violência sempre excessiva. Com o propósito de tirarmos do esquecimento o suor, o sangue e as vidas destes milhões que suportaram o peso de construir a 14.º economia do planeta, (2008), lembremo-nos de Walter Benjamim para quem “todo monumento da cultura é também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo”.

Nesse sentido, a difícil tarefa de escovar a história e a sociedade a contrapelo foi assumida, em parte, pelo Estado Brasileiro, com a recente criação da Lei 11.645/2008, de 10 de março de 2008 que altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".

Depois da criação da Lei 11.645/2008 a tarefa é passada a toda sociedade brasileira, mas, especialmente às Instituições de Ensino Superior (IES) e às escolas, na figura concreta dos profissionais da Educação que devem executar a incômoda tarefa de escovar a contrapelo os livros didáticos; as posturas; os hábitos; as convicções; as formações discursivas e ideológicas; as salas de aulas; os planos de ensinos; os currículos, as mídias, para limpar deles o ranço e o ódio arraigados sub-repticiamente, as homofobias fascistas, travestidas de preconceitos, estereótipos e de todo o arsenal criado para oprimir e impedir a inclusão, quer dos negros quer dos índios quer de outros grupos e etnias. Na Região Oeste do Paraná, especialmente, em Cascavel, o preconceito chega às raias de algumas paróquias não aceitarem os padres negros ou alguns que nem negros são, mas possuem pele escura, como os indianos, dois deles não puderam ficar na Paróquia Santo Antônio.

Obviamente, que os padres banidos não foram forçados de forma direta a irem embora, há na cultura brasileira um imenso rol de estratégias mais sutis, subterfúgios e outros estratagemas de não se aceitar um padre negro numa paróquia, assim como de fomentar os preconceitos dentro e fora das salas de aulas.

Ações desse naipe estão espalhadas por todo território nacional, embora não faltem tentativas legais de exorcizá-las das relações sociais. De fato, desde os tempos da Primeira República (1839/1930) até a edição da Lei 11.645/2008, muitos passos foram dados até se chegar à atual incorporação do estudo das civilizações indígenas e africanas nas escolas brasileiras. Pode-se citar, por exemplo, a LDB de 1961 (art. 38, III) que determinava que diferentes culturas serviriam de base para o ensino da História do Brasil. Entre a criação da Lei e a sua prática nas relações sociais está o fosso da exclusão. E apenas em 2008 a legislação foi mais severa a ponto de exigir o ensino das duas culturas em escolas brasileiras.

Em função disso, pensou-se a especialização em “Ensino da cultura das artes e da história afro-brasileira e indígena na educação básica”, a qual pretende executar a parte que lhe couber desta tarefa de escovar o discurso hegemônico a contrapelo, em 2009, na Unioeste.

Por primeiro, trazendo à baila a história, a voz, a memória, o imaginário, as artes, a religiosidade, enfim, numa palavra, a cultura afro-brasileira e indígena, subsumidas nos porões da cultura hegemônica, pois como sustenta Paul Connerton, “não há dúvida de que o controle da memória de uma sociedade condiciona largamente a hierarquia do poder”.

Assim não foi por um mero esquecimento, ao contrário, foi por obra de um apagamento intencional e criminoso que empurrou os negros e índios, cada um na sua especificidade para as classes deserdadas, para as periferias dos grandes centros cosmopolitas, para as piores porções de terras. Pouco adiante acrescenta o mesmo Paul Connerton, “as nossas experiências do presente dependem em grande medida do conhecimento que temos do passado e (...) as nossas imagens desse passado servem normalmente para legitimar a ordem social presente.”


*Publicado originalmente no suplemento especial "Educação", do jornal "O Paraná", edição 463, página 07, 06/02/2009.

Um comentário:

Eliane disse...

oLÁ PROFESSORA LINDA. sUA FALA ME EMOCIONA POR QUE COMPARTILHO DE SUA FALA INTEIRAMENTE. BJ. TE AMAMOS.