domingo, 1 de fevereiro de 2009

Duas visões, um alvo: Machado de Assis e José Arbex Junior comentam a imprensa

Geórgia Pereira, Acadêmica de Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina - UEL.


(...)Ninguém arrancou aos fatos uma significação, e depois, uma opinião.
Machado de Assis

Um monstro! É isso que Machado de Assis representa para a literatura brasileira! Um monstro grande e robusto, não na estatura, nem no tipo físico, mas na sua capacidade intelectual, fazendo uso de seu ácido estilo crítico e sarcástico na forma magistral de arranjar as palavras. Ele marcou muito mais que uma época. Deixou sua sabedoria registrada na imprensa e nos livros que compõe sua vida e obra.

E, na tentativa de resgatar e comemorar o centenário da morte machadiana foi criada em setembro do ano passado a Lei número 11.522 que instituiu 2008 como o Ano Nacional Machado de Assis. Em função disso, o Ministério da Cultura prepara uma agenda repleta de atrações e eventos para rememorar sua produção literária. Está em discussão a apresentação de feiras de livros, conferências, e a homenagem para Machado que será realizada pela Bienal do Livro, em agosto, São Paulo.

Diante de tantas demonstrações, existe um espaço, em especial, que comemora o centenário de modo particular: a Academia Brasileira de Letras. Ali a programação é voltada para uma série de eventos, exposições, mostra de filmes, leituras dramatizadas, além do lançamento de novas edições de livros dedicados à sua obra. Para o dia 20 de junho está agendada a exposição “Machado Vive!”, que pretende fazer uma análise de 800 volumes da biblioteca do autor, e depois, em parceria com a Biblioteca Nacional, vai realizar a compilação desse material em um livro. A relevância de Joaquim Manoel Machado de Assis para a Academia Brasileira de Letras é histórica. Além de sua importância para a literatura, Machado foi um dos seus fundadores e o primeiro presidente da instituição.

Dono de uma escrita única, ele deixa seu legado nas poesias, romances, peças teatrais, contos e crônicas. Dentro desta última modalidade, o escritor carioca abordou os mais variados temas, retratando as minúcias do seu tempo. O cronista Machado de Assis galopou entre o riso e a ironia, o efêmero e o duradouro, viajando do real ao imaginário, e acrescentou detalhes de um cotidiano, destilando todo o veneno (se que é assim pode-se dizer) de uma sociedade, que por ora, se apresentava mesquinha e hipócrita. O “velho bruxo”, como era conhecido, escreveu para o “Diário do Rio de Janeiro”, no século XIX, e ali criticava a postura das classes sociais, além de analisar o comportamento da imprensa da época.

Machado de Assis era contundente em suas análises. Como no fragmento dessa crônica “toda a gente contempla a procissão na rua, as bandas e bandeiras, o alvoroço, o tumulto, e aplaude ou censura, segundo o abolicionista ou outra cousa; mas ninguém dá a razão desta cousa ou daquela cousa; ninguém arrancou aos fatos uma significação, e depois, uma opinião. Creio que fiz um verso” (Bons dias 11 de maio de 1888), ele martela na passividade da população, da não reflexão perante o desenrolar dos fatos, e procurava inquietar os leitores, com seus argumentos.

Hoje, uma das causas que podem ser citadas à falta de reação e argumentação que muitos leitores apresentam depois de entrar em contato com os fatos, especialmente os polêmicos, é o grande fluxo de informação, pois a preocupação em saber o que está acontecendo é maior do que a necessidade de reflexão do que foi dito anteriormente.

No livro Showrnalismo: a notícia como espetáculo (2001), o jornalista José Arbex Junior questiona a instantaneidade da notícia, que ao ser publicada já se torna velha. A velocidade no mundo interconectado aumenta progressivamente, exigindo sempre a renovação, e não a reflexão do que é divulgado. Tal seqüência é designada pelo autor como a síndrome da “amnésia permanente”, classificada como o esquecimento instantâneo da informação, pois indivíduo já se prepara para a recepção de outra novidade que vai surgir imediatamente. “Isso poderia dar a impressão de que a sociedade é beneficiada por uma pluralidade imensa de pontos de vista distintos, possibilitados pela disputa entre as empresas da mídia pela originalidade da notícia. Mas não é bem assim que as coisas acontecem, até porque a sensação de “falta de tempo” para entender a fundo uma notícia estimula o recurso ao clichê, ao preconceito, a reiteração de concepções já formadas.”, defende Arbex.

De maneira geral, atualmente, os veículos desprezam os pequenos fatos, porque isso não se destaca e não atrai público. Já o cronista carioca gostava dos acontecimentos miúdos em detrimento da extrema exacerbação dos grandes acontecimentos, de maior relevância nacional. Machado, ao fazer o retrato do seu cotidiano apresentava outra inquietação: a espetacularização da notícia. “Não gosto que os fatos nem os homens se me imponham por si mesmos. Tenho horror a toda superioridade. Eu é que os hei de enfeitar com dous ou três adjetivos, uma reminiscência clássica, e os mais galões do estilo” (10 de julho de 1892).

Sobre a relevância da informação, Arbex relata que durante a década de 1990, ao dar palestras para universitários, perguntava a eles o que sabiam da Guerra do Golfo ou da Queda do Muro de Berlim. Poucos conseguiam montar uma narrativa desses acontecimentos. A maioria apenas se lembrava de imagens e fatos impactantes, ou seja, o espetáculo se sobrepôs ao conteúdo.

Em outra crônica o jornalista do século XIX narra que “Não é crível que tamanho número de pessoas se divirtam em rasgar o ventre alheio, só para fazer alguma coisa. (...) Recorre à navalha, espalha facadas, certo de que os jornais darão notícias das suas façanhas e divulgarão os nomes de alguns” (publicada na seção Balas de estalo: 14/3/1885). Nesta crônica, Machado revela o desejo da imprensa em promover notícias violentas, com forte impacto tanto na imagem quanto na escrita, chamando a atenção da população. Isso, como se sabe, estimula a informação sensacionalista e a sua constante produção, entrando numa designação que se pode chamar de jornalismo marrom. Então, surge “a capacidade adquirida pelas corporações de recriar sua própria imagem e a imagem do mundo, mediante a manipulação do imaginário coletivo”, pois é esse quem interessa para os veículos midiáticos, conforme Arbex.

O Machado de Assis do jornalismo de séculos passados acreditava que “o jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a locomotiva intelectual, em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a frescura das idéias e fogo das convicções” (crônica “O jornal e o livro”, de 10 e 12/1/1859). Numa visão otimista, a veiculação diária das notícias surgia como uma alavanca social, sinal de desenvolvimento e progresso. Um dos desejos do velho bruxo, no seu exercício cotidiano da escrita, era usar o jornal como instrumento de denúncia, informação e formação.

Fica a dica de consulta ao site www.machadodeassis.org.br, da Academia Brasileira das Letras, no qual a pesquisa e difusão das obras machadianas são preconizadas e amplamente amparadas. Há diversas indicações de artigos, teses e monografias - nacionais e internacionais - sobre vida e obra desse “Monstro”.

Outra dica é o livro de José Arbex Jr., Showrnalismo: a notícia como espetáculo, da editora Casa Amarela (Summus).

Vale conferir!

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